"Se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente
perecereis" (Lucas 13.3).
À primeira vista, este versículo parece rude e severo. Posso
imaginar alguns dizendo: "Isto é o evangelho? Estas são as boas notícias?
São as boas novas sobre as quais falam os pastores? É um discurso árduo, quem o
pode suportar?" (cf. Jo 6.60).
No entanto, de quem eram os lábios que proferiram estas
palavras? Elas vieram dos lábios dAquele que nos ama com um amor que excede todo
entendimento, o próprio Jesus Cristo, o Filho de Deus. Foram ditas por Aquele
que nos amou tanto, que deixou o céu, desceu à terra, viveu de modo pobre e
humilde durante 33 anos, por nossa causa; foi à cruz, morreu e foi sepultado
por nossos pecados. As palavras que vieram de lábios como esses têm de ser, com
certeza, palavras de amor.
Afinal de contas, há maior prova de amor do que avisar um
amigo quanto ao perigo vindouro? O pai que vê seu filho caminhando em direção à
beira de um precipício e, quando o vê, grita fortemente: "Pare,
pare!", não é um pai que ama o filho? A mãe carinhosa que vê sua criança a
ponto de ingerir algo venenoso e clama intensamente: "Pare, pare! Largue
isso!", não é uma mãe que ama o filho? É a indiferença que deixa as
pessoas sozinhas e permite que continuem seguindo o seu caminho. O amor, amor
compassivo, adverte e ergue o clamor de alerta. O grito de "Fogo!
Fogo!", à meia-noite, pode, às vezes, arrancar uma pessoa de seu sono - de
modo rude, desagradável, severo. Mas, quem reclamaria se tal grito fosse o meio
de salvar a vida daquela pessoa? As palavras "se não vos arrependerdes,
todos igualmente perecereis" podem, à primeira vista, parecer severas e
rudes. Contudo, são palavras de amor e podem ser o meio de livrar do inferno almas
preciosas.
Consideremos agora a necessidade de arrependimento. Por que
o arrependimento é necessário? O versículo citado no início deste artigo mostra
claramente a necessidade de arrependimento. As palavras de nosso Senhor Jesus
Cristo são claras, enfáticas e distintas: "Se não vos arrependerdes, todos
igualmente perecereis". Todos, todos, sem exceção, necessitam de
arrependimento para com Deus. O arrependimento não é necessário somente para
bêbados, ladrões, assassinos, adúlteros, fornicadores e encarcerados. Não.
Todos os nascidos da descendência de Adão - todos, sem exceção - precisam de
arrependimento para com Deus. A rainha no trono, o pobre que trabalha em seu
ofício, o rico em sua sala de visitas, a empregada na cozinha, o professor de
ciências na universidade, o jovem pobre e ignorante que trabalha no arado -
todos precisam, por natureza, de arrependimento. Todos são nascidos em pecado;
todos necessitam arrepender-se e converter-se, se desejam ser salvos. Todos
precisam ter seu coração mudado quanto ao pecado. Todos têm de se arrepender e
crer no evangelho. "Se não vos converterdes e não vos tornardes como
crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus" (Mt 18.3). "Se
não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis."
O que torna necessário o arrependimento? Por que Deus usa
uma linguagem tremendamente forte a respeito desta necessidade? Por que o
arrependimento é necessário?
(a) Primeiramente, sem arrependimento não há perdão dos
pecados. Ao dizer isso, tenho de guardar-me de mal-entendido. Peço-lhe
enfaticamente que não me entenda erroneamente: lágrimas de arrependimento não
removem pecados. Dizer que elas o fazem é teologia errada. Remover pecados é
uma competência e uma obra exclusiva do sangue de Cristo. A contrição não
produz qualquer expiação de pecado. Dizer que ela o faz é teologia pervertida.
Nossa melhor contrição tem defeitos suficientes para nos lançar no inferno.
"Somos reputados justos diante de Deus somente por causa de nosso Senhor
Jesus Cristo, pela fé, e não por nossas obras ou merecimentos",1 não por
nosso arrependimento, santidade, caridade aos pobres ou qualquer coisa desse
tipo. Tudo isso é verdade. Contudo, não é menos verdade que a pessoa
justificada sempre se arrepende e que um pecador perdoado sempre será uma pessoa
que lamenta e abomina seus pecados.
Em Cristo, Deus está disposto a receber homens rebeldes e
dar-lhes paz, se vierem a Ele, em nome de Cristo, não importando quão ímpios
tenham sido. Contudo, Deus exige, com justiça, que o rebelde deponha suas
armas. O Senhor Jesus Cristo está disposto a ter compaixão, perdoar, dar
alívio, purificar, lavar, santificar e preparar para o céu. Todavia, Ele deseja
ver o homem odiando os pecados para os quais deseja obter perdão. Se quiserem,
alguns homens podem chamar isso de "legalidade". Se lhes agrada, que
o chamem de "servidão". Eu fico ao lado das Escrituras. O testemunho
da Palavra de Deus é claro, inconfundível. Pessoas justificadas sempre são
pessoas penitentes. Sem arrependimento, não há perdão de pecados.
b) Em segundo, sem arrependimento não há felicidade nesta
vida. Existem coisas como exultação, entusiasmo, sorrisos e contentamento,
enquanto as pessoas desfrutam de boa saúde e têm dinheiro no bolso. Mas essas
coisas não são a felicidade inabalável. Há uma consciência em todos os homens;
e essa consciência tem de ser satisfeita. Portanto, enquanto a consciência
sente que ainda não houve arrependimento do pecado e que este não foi perdoado,
ela não terá quietude e não permitirá que a pessoa fique tranqüila em seu íntimo...
c) Em terceiro, sem arrependimento não pode haver adequação
para o céu, no mundo por vir. O céu é um lugar preparado, e aqueles que vão ao
céu têm de ser um povo preparado. Nosso coração tem de estar em harmonia com as
disposições do céu, pois, do contrário, o céu nos será um lugar infeliz. Nossa
mente tem de estar em harmonia com a mente dos habitantes do céu, pois, do
contrário, a comunhão das pessoas do céu nos seria intolerável... O que você
faria no céu, se chegasse lá com um coração que ama o pecado? Com qual dos
santos você conversaria? Ao lado de quem se assentaria? Com certeza, os anjos
de Deus não entoariam música agradável ao coração daquele que não pode suportar
os santos na terra e nunca louva o Cordeiro por seu amor redentor! Com certeza,
a companhia dos patriarcas, dos apóstolos e dos profetas não seria satisfação
para nenhum homem que agora não lê a sua Bíblia e não se interessa em saber o
que os apóstolos e os profetas escreveram. Oh! não! Não! Não haveria felicidade
no céu, se chegássemos ali com um coração impenitente...
Rogo-lhe, pelas misericórdias de Deus, que guarde no coração
as coisas que acabei de dizer e pondere-as bem. Você vive em um mundo de
engano, imposição e decepção. Não permita que ninguém o engane quanto à necessidade
de arrependimento. Oh! que a igreja professa veja, saiba e sinta (mais do que o
faz) a necessidade, a absoluta necessidade do verdadeiro arrependimento para
com Deus! Há muitas coisas que não são necessárias. Riquezas e saúde são
desnecessárias. Roupas finas não são necessárias. Amigos nobres não são
indispensáveis. O favor do mundo é desnecessário. Muitos chegaram ao céu sem
essas coisas. Talentos e erudição são dispensáveis. Milhões chegaram ao céu sem
essas coisas. Milhares e milhares estão indo ao céu sem elas. Contudo, ninguém
chegará ao céu sem o "arrependimento para com Deus e a fé em nosso Senhor
Jesus Cristo" (At 20.21).
Não permita que ninguém o convença de que um sistema de
doutrina em que o arrependimento para com Deus não tem lugar de grande
proeminência merece ser chamado de evangelho. Não há evangelho, se o
arrependimento não é um dos principais elementos. Tal evangelho é do homem, e
não de Deus. Procede da terra, mas não do céu. Não é evangelho de maneira
alguma. É antinomianismo e nada mais. Enquanto você estiver apegado e preso aos
seus pecados, você terá os seus pecados, embora fale o quanto quiser sobre o
evangelho. Os seus pecados ainda não estão perdoados. Você pode chamar isso de
legalismo, se quiser. Pode dizer, se quiser: "Espero que tudo saia bem no
final. Deus é misericordioso, Deus é amor, e Cristo morreu. Espero que irei ao
céu no final". Não, eu lhe digo. Tudo não sairá bem. Você está errado
diante de Deus... Está menosprezando o sangue da expiação. Ainda não tem parte
ou herança em Cristo. Enquanto você não se arrepender de seus pecados, o
evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo não é evangelho para sua alma. Cristo é
um Salvador do pecado, e não um Salvador paro o homem nopecado. Se um homem
quer continuar em seus pecados, chegará o dia em que o misericordioso Salvador
lhe dirá: "Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado
para o diabo e seus anjos" (Mt 25.41).
Não permita que ninguém o engane, levando-o a supor que pode
ser feliz neste mundo, sem arrepender-se. Oh! não!... Quanto mais você viver
sem arrepender-se, tanto mais infeliz será o seu coração. Quando a velhice lhe
sobrevier, e os cabelos grisalhos lhe encherem a cabeça; quando você for
incapaz de ir aonde costumava ir e satisfazer-se no que outrora lhe dava
prazer, a sua infelicidade e miséria irromperão como um homem armado... Escreva
isto nas tábuas de seu coração: sem arrependimento, não há paz!
Espero ver muitas maravilhas no último dia! Desejo ver à
direita do Senhor Jesus Cristo alguns daqueles que antes eu temia vê-los à sua
esquerda. Verei à sua esquerda alguns do que eu supunha serem bons cristãos e
esperava vê-los à direita. Todavia, há algo que, com certeza, não verei: à sua
direita não verei nenhum homem que não se arrependeu.
Extraído de "Arrependimento", no livro Old Paths,
reimpresso em inglês por Banner of Truth.
1.
Trinta e Nova Artigos da Religião. Artigo XI,
"A Justificação do Homem".
Fonte: Editora Fiel
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