Visto que o apóstolo afirmou que o falso
arrependimento não apazigua a Deus, surge a pergunta: como Acabe obteve o
perdão e removeu o julgamento imposto sobre si? Se julgarmos pelos últimos atos
de sua vida, ele parecia ter sido comovido apenas por algum temor repentino (1
Rs 21.28-29). Na verdade, Acabe vestiu-se de pano de saco, pôs cinzas sobre si
mesmo e andava cabisbaixo (1 Rs 21.27); e, conforme dizem as Escrituras, ele
humilhou-se diante de Deus. No entanto, rasgar as vestes, enquanto seu coração
permanecia obstinado e mergulhado na malícia, significava pouco. Apesar disso,
observamos como Deus exerceu misericórdia.
Eu respondo: os hipócritas, às vezes, são poupados
por um pouco. A ira de Deus, porém, sempre permanece sobre eles. Isto acontece
mais por causa do exemplo que eles se tornarão para outros do que pelo bem
deles mesmos. Ainda que Acabe teve sua punição mitigada, que proveito isso lhe
trouxe,visto que não sentiu qualquer benefício dessa mitigação, exceto enquanto
estava vivo? Portanto, a maldição de Deus, embora secreta, havia se fixado
sobre a residência de Acabe, que foi para a eterna condenação.
Este mesmo fato pode ser visto em Esaú, pois,
embora ele tenha sofrido uma rejeição, uma bênção temporal foi assegurada às
suas lágrimas (Gn 27.40). No entanto, visto que a herança espiritual resultante
da profecia divina poderia ser possuída por apenas um dos irmãos, quando Esaú
foi deixado de lado e Jacó, escolhido, a rejeição de Esaú como herdeiro excluiu
a misericórdia de Deus. Mas a consolação de Jacó — fartar-se da exuberância da
terra e do orvalho do céu (Gn 27.28) — fez Esaú tornar-se um homem selvagem.
Isto que acabei de afirmar tem de ser aplicado como
exemplo para outras pessoas, a fim de que aprendamos mais rapidamente a dedicar
nossas mentes e nossos esforços em favor do arrependimento verdadeiro; pois não
pode haver dúvida de que, quando somos verdadeira e sinceramente convertidos,
Deus, que estende sua misericórdia sobre os indignos (quando estes manifestam
insatisfação com seu próprio “eu”), nos perdoará prontamente. Deste modo,
também somos ensinados que julgamento terrível está acumulado para todos os
obstinados, que, com descarada altivez e um coração petrificado, se divertem em
desprezar e reduzir a nada as ameaças de Deus. Assim mesmo, Deus freqüentemente
estendia sua mão aos filhos de Israel, para livrá-los de sua calamidade, embora
os seus clamores fossem fingidos e seus corações, enganosos e falsos (cf. Sl
78.36-37); pois Deus mesmo reclamou, neste salmo, que eles sem demora
reverteram o seu próprio caráter (v. 57). Porém, apesar disso, Deus, por meio
de gentileza amável, quis trazê-los à conversão sincera e torná-los sem culpa.
Ao suspender a punição por um tempo, Deus não fica obrigado por uma lei
perpétua. Ao contrário, às vezes, Ele levanta o castigo ainda com mais
severidade contra os hipócritas e duvidosos, para demonstrar quanto Lhe
desagrada a presunção deles. Mas, conforme já dissemos, Deus apresenta alguns
exemplos de sua prontidão em perdoar, e, mediante este perdão, os ímpios podem
ser encorajados a restaurar suas vidas; enquanto o orgulho daqueles que obstinadamente
Lhe resistem pode ser severamente condenado.
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