Menos fé, mais medo. O medo é produzido pela
incredulidade; a incredulidade é fortalecida pelo medo. Assim como na natureza
existem ciclos observáveis (o vapor produz chuvas, e as chuvas se tornam
vapores novos, etc.), assim também ocorre com os assuntos morais.
Conseqüentemente, toda a habilidade do mundo não pode nos curar da enfermidade
do medo, até que Deus nos cure de nossa incredulidade. Por isso, o Senhor Jesus
utilizou o método correto para libertar seus discípulos do medo, ao
censurar-lhes a incredulidade. Os resquícios deste pecado no povo de Deus são a
causa e a fonte de seus temores. Mais particularmente, Cristo os libertou de
seu medo para mostrar-lhes como o medo é gerado pela incredulidade e que
devemos ser advertidos a respeito de algumas particularidades.
1. A incredulidade enfraquece e obstrui
o ato de anuência por parte da fé. Por isso, a incredulidade rouba, em
grande medida, o principal alívio da alma contra os perigos e dificuldades. O
ofício e a utilidade da fé consistem em tornar real para a alma as coisas do
mundo por vir, fortalecendo-a, assim, contra os temores e perigos do mundo
presente. “Moisés.... abandonou o Egito, não ficando amedrontado com a cólera
do rei; antes, permaneceu firme como quem vê aquele que é invisível” (Hb 11.24,27).
Se este ato de anuência da fé enfraquecer-se ou mostrar-se vacilante na alma;
se as coisas invisíveis parecerem incertas, e as visíveis forem as únicas
realidades, não devemos nos admirar de ficarmos tão assustados e amedrontados,
quando o bem-estar visível e sensível é exposto e colocado em perigo, conforme
ele é e sempre será neste mundo instável. O homem que não está completamente
persuadido de que é firme e bom o solo em que pisa, esse homem tem de sentir
medo de permanecer em tal solo. Não devemos nos admirar de que os homens tremam
quando parecem sentir que o solo balança e se move sob os pés deles.
2. A incredulidade fecha os refúgios que
a alma encontra nas promessas divinas; e, por deixá-la sem estes refúgios,
coloca-a em temores e pavores. Aquilo que fortalece e encoraja um
crente, em tempos maus, é a sua dependência de Deus, no que se refere à
proteção.
“Em ti é que me refugio” (Sl 143.9). O ato de
privar a alma deste refúgio, perpetrado tão-somente pela incredulidade,
despoja-a de todos os amparos e socorros que as promessas proporcionam;
conseqüentemente, enche o coração de ansiedade e temor.
3. A incredulidade torna o homem
negligente e descuidado em se preparar para as dificuldades, antes que elas
venham, e que vêm sobre ele de maneira surpreendente. E quanto mais
surpreendente for um mal, tanto mais atemorizante o acharemos. Não podemos
pensar que Noé ficou tão atemorizado quanto o ficaram as demais pessoas, na
ocasião do Dilúvio, quando as águas começaram a se elevar sobre os montes e colinas.
Ele não tinha razão para ficar com medo, pois havia contemplado antecipadamente
o Dilúvio — pela fé — e se preparado para ele. “Pela fé, Noé, divinamente
instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a
Deus, aparelhou uma arca” (Hb 11.7). Agostinho relatou uma história muito
interessante e memorável a respeito de Paulinus, o bispo de Nola, que era muito
rico tanto em graça como em bens. Paulinus tinha muitas coisas do mundo em suas
mãos, mas pouco destas coisas em seu coração. E tudo estaria bem, se não fosse
pelo fato de que os godos, um povo bárbaro, invadiram a cidade, como demônios,
e arremeteram-se contra a sua presa. Aqueles que confiavam em seus tesouros se
enganaram e foram arruinados por tais tesouros, pois os ricos foram expostos à
tortura, a fim de confessarem onde haviam escondido seu dinheiro. Este amável
bispo caiu nas mãos dos godos, perdendo tudo o que possuía, mas não se abateu
por causa da perda, como transparece de sua oração, que Agostinho citou:
“Senhor, não permita que eu fique atribulado por causa de meu ouro e minha
prata. Tu sabes que este não é o tesouro que tenho acumulado no céu, de acordo
com o teu mandamento. Fui advertido sobre este julgamento, antes que viesse, e
me preparei para ele. E tu, Senhor, sabes onde se encontra todo o meu
interesse”.
Assim também agiu o Sr. Brad-ford, quando um homem
veio apressado ao seu quarto e, repentinamente, lhe transmitiu palavras capazes
de fazer tremer a maioria dos homens do mundo: “Ó Sr. Bradford, eu lhe trago
notícias desastrosas: você será queimado amanhã; e estão sendo compradas as
correntes que o prenderão!” O Sr. Bradford retirou o chapéu e disse: “Senhor,
eu te agradeço. Há muito tempo espero por isto. Não é terrível para mim. Ó
Deus, torna-me digno dessa misericórdia”. Veja os benefícios de uma antecipação
e preparação para tais sofrimentos!
4. A incredulidade nos leva a tomarmos
sob nossa responsabilidade os nossos mais caros interesses e preocupações; ela
não entrega nada aos cuidados de Deus, e, conseqüentemente, quando perigos
iminentes nos ameaçam, enche o nosso coração com temores que nos distraem. Leitor, se
este é o seu caso, você ficará cercado por terrores, sempre que perigos e
dificuldades lhe sobrevierem. Aqueles que reconhecem este fato, bem como muitos
outros, têm a vantagem de que, pela fé, entregam a Deus tudo que é importante e
valioso. Eles têm confiado a Deus o cuidado de sua alma e seus interesses
eternos. E, visto que estas coisas estão em mãos seguras, tais pessoas não se
distraem com temores referentes a outros assuntos de menor importância, mas
também podem confiar a Deus tais assuntos, desfrutando assim da quietude e paz
de uma alma rendida a Ele. E, quanto a você, leitor, a sua vida, a sua
liberdade e a sua alma, que é infinitamente mais importante do que todas estas
coisas, estarão sob a sua responsabilidade, no dia de aflição, e você não
saberá o que fazer com elas, nem como lidará com elas.
Oh! estes são os terríveis medos e dificuldades nos
quais a incredulidade lança os homens! A incredulidade é uma fonte de temores e
aflições. De fato, ela distrai e confunde os incrédulos, nos quais reina e se
manifesta com pleno vigor. Experiências desagradáveis nos mostram que os
resquícios deste pecado produzem temores e tremores até nos melhores homens que
não estão completamente libertos dele. Se em tais homens os resquícios
não-expurgados da incredulidade podem obscurecer e ocultar suas evidências,
esses mesmos resquícios podem igualmente aumentar e multiplicar os seus
perigos. Se a incredulidade é capaz de produzir essas infelizes e terríveis
conclusões no coração desses homens respeitáveis, que temores terríveis e medos
incontroláveis a incredulidade pode causar em homens que estão sob o seu
domínio e em pleno vigor?
Fonte: Editora Fiel
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